Por Dr. Raul Dias dos Santos Filho
Consumo moderado pode proteger contra doenças cardiovasculares. Em excesso, é fator de risco para várias moléstias
Vários estudos observacionais, comparando a população que consome álcool e a que não o faz, sugerem que, em doses moderadas, ele ajudaria a prevenir o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, as duas principais causas de mortalidade cardiovascular. Embora haja inúmeros outros fatores associados a esse tipo de doença – dos genéticos aos relacionados com o estilo de vida –, o álcool pode, sim, trazer esse efeito protetor para o coração.
Segundo o Dr. Raul Dias dos Santos Filho, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein, uma das razões é que o álcool, quando consumido moderadamente, estimula o fígado a produzir o HDL, o bom colesterol, que diminui o risco de problemas cardiovasculares. “Um consenso médico elaborado na Itália diz que cada 1 grama de álcool consumido aumenta o bom colesterol em 0,13 mililitro por decilitro de sangue”, cita o médico. “O álcool moderado também ajuda a reduzir a pressão arterial e, além disso, teria uma ação anti-inflamatória, o que contribuiria para proteger os vasos sanguíneos. Alguns afirmam que o vinho tinto agregaria benefícios adicionais por causa das substâncias antioxidantes, mas não há comprovação das vantagens em relação a outras bebidas”, afirma o Dr. Raul.
Em excesso, o álcool se transforma num vilão, gerando efeitos opostos. “Aumenta a pressão arterial e estimula a produção de triglicérides, que entram na circulação sanguínea fazendo baixar o HDL. E está associado, ainda, à fibrilação arterial, um tipo de arritmia cardíaca que faz com que o coração jogue coágulos na circulação, o que pode levar até a um AVC isquêmico”, explica o Dr. Raul. Além disso, a bebida alcoólica contribui para que o indivíduo engorde, podendo aumentar a gordura abdominal, associada ao risco de diabetes, trombose e elevação da pressão arterial, entre outros. “Resumindo, o álcool produz efeitos em “U” conforme o consumo. Moderadamente, ajuda a proteger contra as doenças cardiovasculares. A partir de determinado ponto, começa a aumentar os riscos.”
Sob controle
Mas o que significa o tal consumo moderado? A quantidade geralmente aceita pelas sociedades médicas é de algo em torno de 25 gramas para homens e 15 gramas para mulheres por dia. Isso corresponde a aproximadamente duas doses de bebida para eles e um pouco menos para elas – entendendo-se por dose uma taça de vinho, a quantidade de uísque medida no dosador ou uma lata de cerveja, por exemplo*. “É importante observar que o consumo moderado tem de ser contínuo, um pouco por dia. Não beber ao longo de alguns dias e depois ingerir duas garrafas de vinho no fim de semana pode provocar lesões no fígado e em outros órgãos, às vezes irreversíveis”, alerta o Dr. Fernando Luis Pandullo, gastroenterologista e hepatologista do Einstein.
Aliás, segundo ele, não há quantidade de álcool que faça bem para o fígado. “Uma das principais funções desse órgão é metabolizar e processar tudo o que comemos e bebemos, transformar isso em nutrientes e oferecer ou estocar para os demais órgãos, sempre destruindo as impurezas. Ao processar o álcool, porém, são liberadas substâncias que atacam o próprio fígado”, explica o Dr. Pandullo.
Há três patologias do órgão relacionadas com o álcool: a esteatose hepática, a hepatite alcoólica e a cirrose hepática. Apenas a esteatose hepática e a hepatite alcoólica leve são totalmente reversíveis com a abstinência, que se torna indispensável em caso de doença hepática crônica, inclusive para a realização de transplante de fígado. Inclusive, nunca é demais lembrar que a hepatite alcoólica grave e a cirrose são processos que podem levar à morte.
O álcool está associado a vários outros problemas – alguns tipos de câncer, doenças neurológicas, musculares e gastrointestinais, dentre outras, além dos riscos relacionados com a redução dos níveis de atenção e lucidez. “Se em pequenas doses, consumidas de maneira regular, o álcool pode ter seus efeitos benéficos, ele passa a ser um veneno quando os limites são ultrapassados”, diz o Dr. Pandullo. Outro aspecto merece atenção: quanto mais cedo o contato com o álcool, maior a possibilidade de o indivíduo ficar dependente – o que torna muito importante evitar o consumo entre os adolescentes.
Por todas essas razões, nenhum médico vai recomendar ao paciente a ingestão de bebidas alcoólicas. Mas também não vai proibir o consumo moderado. Mesmo que você seja daqueles que nunca ficam bêbados, só há um jeito se manter nos limites: contabilizar as doses. Se estiver exagerando e tiver dificuldade para, sozinho, retomar o padrão moderado, o melhor é buscar ajuda médica. Evitar excessos é fazer um brinde à própria saúde.