Este artigo foi escrito por Mara Gaudette, especialista em informações sobre teratogenia (más formações congênitas) da organização MothertoBaby.org, da Califórnia, nos Estados Unidos.
Escreveu a autora que “a mensagem de chat (bate-papo) veio rapidamente no início do meu turno, às 9 horas da manhã, e as palavras e exclamações dela revelaram claramente a sua ansiedade”.
“Acabo de descobrir que estou grávida! Tomo atorvastatina para controlar meus níveis sanguíneos de colesterol desde a 6ª série. Eu falei com o meu médico e parei de tomar o medicamento ontem, mas quais danos eu posso já ter causado? Eu sei que este é um medicamento classe X! Preciso de informação, por favor, me ajude! Julie”.
“Ela concordou em conversar comigo pelo telefone e eu saí do serviço de chat MothertoBaby e liguei para Julie”.
“Em primeiro lugar, você pode perguntar por que alguém estaria tomando um medicamento para reduzir o colesterol desde o ensino médio? Realmente, no caso de Julie, tratava-se de uma doença hereditária chamada hipercolesterolemia familiar (HF). Esta doença ocorre em uma de cada 200 a 500 pessoas e é pouco diagnosticada e, consequentemente, pouco tratada. Um simples exame de sangue para verificar os níveis de colesterol e uma revisão da história familiar (eventual histórico de doença cardiovascular – infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral – ou de morte súbita e inesperada em idade jovem) pode ajudar a determinar se você tem esta doença. Uma forma mais rara e grave desta doença pode ocorrer quando ambos os pais a têm”.
Em blog posts anteriores, escrevemos sobre o colesterol, o que é e quais são as suas funções no corpo humano. Mas, medicamentos como a atorvastatina, como já sabemos, são uma parte necessária do tratamento da HF, sendo frequentemente prescritos a partir dos 8 a 10 anos de idade.
“E o que significa a “categoria X”, que Julie mencionou? Isto significa que está absolutamente provado que este medicamento causa más formações congênitas (defeitos ao nascimento)? Felizmente, para as pessoas como Julie, a resposta é um sonoro “não”! Muitas mulheres não sabem que a FDA (Food and Drug Administration dos Estados Unidos – agência equivalente à ANVISA no Brasil) decidiu em 2014 eliminar o seu sistema de classificação através de cartas, pois ele não era necessariamente confiável para prever riscos relacionados à gravidez”.
“Durante o desenvolvimento, o feto necessita de colesterol para ser formado adequadamente, portanto, havia uma preocupação teórica se o uso de medicamentos redutores dos níveis sanguíneos de colesterol poderia constituir um risco na gravidez. Para pessoas normais, suspender temporariamente este tipo de medicação durante a gravidez provavelmente não traria más consequências. Entretanto, para as mulheres com HF, em especial para aquelas que têm a forma mais grave desta doença, a forma homozigótica (HFHo), interromper este tratamento poderia representar risco tanto para a mãe, quanto para o bebê”.
“Logo, se você tiver HF, é importante discutir o seu plano de tratamento para reduzir o LDL colesterol com o seu cardiologista e com o seu obstetra. Na pior das hipóteses, você deve fazer isto logo que souber que está grávida”.
“A maioria dos estudos com a atorvastatina e com outras estatinas não encontrou um aumento de más formações congênitas com o uso acidental nos primeiros meses da gravidez. Isto deve fornecer algum alívio para as mulheres, como Julie, que as tomam e que souberam que estavam grávidas”.
“E as mulheres com HF? Sabe-se que a gravidez produz um aumento dos níveis de colesterol. Isto prejudicaria a gravidez”, perguntou Julie.
“Então, discutimos um estudo tipo registro realizado na Noruega, em mulheres com a forma menos grave da HF, que não demostrou aumento da incidência de más formações congênitas, em comparação com mulheres sem HF”.
Com informações da HF Foundation
A Dra. Maria Cristina de Oliveira Izar, Professora Afiliada Livre Docente Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular, Disciplina de Cardiologia, Universidade Federal de São Paulo, Vice-Presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia biênio 2016-2017, Diretora de Publicações da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo biênio 2016-2017, e membro do Conselho da AHF, que fez recentemente uma revisão sobre esse tema, considera inadequado dizer às mulheres que o plano de interrupção da estatina deva ser considerado ao início da gestação.
Segundo ela, existem evidências de teratogenicidade em animais, mas poucos estudos avaliaram os efeitos teratogênicos em mulheres gestantes. A seguir, estão algumas considerações e evidências:
Não existem diretrizes baseadas em evidências com relação ao uso de terapias hipolipemiantes (e.g. estatinas) durante a gestação;
- Também não existem estudos observacionais e de intervenção;
- A maior parte das informações é de estudos em animais, com dados conflitantes sobre teratogenicidade;
- Efeitos se associaram a estatinas mais lipofílicas e a toxicidade quando usadas em altas doses;
- As malformações encontradas eram do SNC e defeitos esqueléticos.
Dados em Humanos:
A FDA publicou séries de relatos em 178 mulheres expostas a estatinas durante a gestação de 1987 a 2001, sendo que 52 desses relatos foram analisados. As doses máximas usadas foram: lovastatina 40 mg/d, atorvastatina 10 mg/d, sinvastatina 20 mg/d, cerivastatina 0,25 mg/d.
Foram encontrados 20 defeitos estruturais graves do SNC e deficiências nos membros, mais frequentes após exposição a estatinas lipofílicas, em comparação com as hidrofílicas. As estatinas lipofílicas atravessavam tecidos fetais após passagem pela circulação placentária em animais.
Dados pós-marketing:
134 mulheres que usaram lovastatina ou sinvastatina na gestação (89% durante o primeiro trimestre) foram analisadas. A porcentagem de abortos espontâneos, de anomalias congênitas, de mortes fetais e de natimortos não diferiu da observada na população geral, e os autores concluíram que NÃO HÁ EVIDÊNCIAS que correlacionem a exposição a estatinas durante a gestação e o evento gestacional.
Dados do Slone Epidemiology Center Birth Defects Study e do National Birth Defects Prevention Study dão suporte a essas conclusões.
Evidências limitadas sobre gestação e uso de estatinas:
Num estudo em gestantes com DLP tratadas com estatinas, fibratos, ou ácido nicotínico, ou sem tratamento no primeiro trimestre, e num estudo de coorte em 64 gestantes com estatinas no primeiro trimestre e 64 gestantes não expostas, não houve diferenças na prevalência de anomalias congênitas.
Outros hipolipemiantes e gestação
Ezetimiba, ácido nicotínico, fibratos: teratogenicidade em animais.
A ezetimiba passa da circulação materna para o leite em ratos.
A FDA e EMEA recomendam ser preferível não prescrever esses agentes durante a gestação.
O uso de resinas, como a colestiramina, durante a gestação em humanos não demonstrou aumento de teratogenicidade.
Não há dados clínicos para o colesevelam.
São recomendações da NICE:
Antes da gestação:
Ao se considerar um hipolipemiante para mulheres com potencial de engravidar, os riscos de gestação e para o concepto e o uso de medicação devem ser discutidos.
A combinação de contraceptivos com estatinas não é contraindicada para mulheres em idade fértil que necessitarem de hipolipemiantes.
Planejando engravidar e durante gestação:
- Não existe contraindicação à gestação na maioria das mulheres com HF.
- As mulheres que desejarem engravidar devem ser orientadas a parar a estatina 3 meses antes de tentar engravidar.
- As mulheres com HF que desejarem engravidar ou que estiverem grávidas devem ser acompanhadas por cardiologista e obstetra.
- Em mulheres com sintomas de doença das artérias coronárias, ou com HFHo, que estejam tentando engravidar, suas intenções devem ser discutidas com o cardiologista.
- As mulheres com HF que engravidarem usando estatinas, ou outro hipolipemiante com efeito sistêmico, devem receber orientação para parar o tratamento imediatamente e procurar o obstetra para avaliação do feto.
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Se você tiver colesterol LDL acima de 210 mg/dl e membros em sua família com infarto do miocárdio em idade inferior a 45 anos, entre em contato com o InCor pelo e-mail hipercolbrasil@incor.usp.br, enviando como anexo uma cópia ou foto do seu exame de colesterol junto com um número para contato telefônico. A Equipe do Hipercol Brasil entrará em contato com você!
Além do Hipercol Brasil, também a UNIFESP faz diagnóstico genético da HF: Endereço: Rua Loefgren, 1350. CEP - 04040-010. Fone: 11-55764961. E-mail para marcar coleta: waleria.toledo@gmail.com
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